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No dia que escrevo este texto, 13 de março de 2021, o músico Chico Science estaria completando 55 anos. Pensar em Chico Science é associar a sua imagem diretamente ao Nação Zumbi e ao movimento Mangue Beat. Estes três nomes citados foram um dos principais expoentes da contracultura pernambucana nos últimos 25 anos devido à forte identidade regional que se acoplava nas músicas, nos shows e, principalmente, quando se tratava de uma exportação audiovisual para o resto do país e do mundo.
No dia 30 de setembro de 2013, a MTV Brasil transmitia seu último programa antes de encerrar suas atividades e o videoclipe escolhido para fechar esse ciclo foi o de “Maracatu Atômico” do Chico Science & Nação Zumbi, dirigido pelo diretor Raul Machado. A escolha se deu devido à presença constante do clipe e da música nos programas da emissora, afinal, quando falamos de MTV é inevitável não ligar em nossas mentes a memória afetiva de uma geração que cresceu com a cultura do audiovisual musical na televisão.
Se voltarmos na história, o que temos como base dos primeiros passos de atrelamento de imagem e som como ferramenta de divulgação de trabalhos fonográficos, foi através dos Beatles. O filme “A Hard Day’s Night”, de 1964, continha uma performance da música “Can’t Buy Me Love” e essa apresentação é considerada como um dos primeiros videoclipes da história. A banda de Liverpool atingiu em meados dos anos 1970 um sucesso gigantesco e a gritaria dos seus fãs tornou-se algo insuportável durante as apresentações. O quarteto resolveu então gravar suas performances e apenas transmiti-las na televisão, mudando para sempre a forma de se divulgar uma música.
Com a inauguração da MTV na década de 1980, as produções de videoclipes musicais ganharam uma grande força no mercado. Estes trabalhos passaram a ser cada vez mais ricos em detalhes, com roteiros ambiciosos que materializam em imagem um cenário fictício ou não das canções. Michael Jackson foi um dos nomes que elevou o videoclipe à um patamar ainda mais essencial quando se tratava de imagem e som. É impossível ouvir “Thriller” e não lembrar dos zumbis e do figurino do clipe. A clássica coreografia de “Vogue” da Madonna, em seu clipe preto e branco. Ou até mesmo sentir os acordes de “Another Brick In The Wall” do Pink Floyd e não lembrar de todas aquelas crianças enfileiradas e depois colocando fogo na escola.
Quando trazemos para o contexto nacional, temos o intenso “Diário de um Detento”, primeiro clipe dos Racionais Mc’s, filmado dentro do Carandiru. Também entra nessa lista um outro que marcou os anos 1990s, “Brasília Amarela” do Mamonas Assassinas, que literalmente recriava a letra da música no vídeo com uma identidade cômica. E, claro, o já citado “Maracatu Atômico” que traz uma série de signos da cultura pernambucana e os integrantes da banda cobertos de lama em alguns momentos. Esta cena da lama inclusive deu origem a um bloco de carnaval chamado “Mangue Beat”, onde as pessoas ouvem Nação Zumbi e se lambuzam com a terra.
É fato que a tecnologia e técnicas de filmagem estão cada vez mais avançadas e atualmente abriu-se um leque de possibilidades de promoção deste tipo de material. Há 16 anos temos o Youtube como maior plataforma de compartilhamento de vídeos e que também foi um dos responsáveis por pressionar um processo de migração dos lançamentos através de canais de TV, para a internet. Hoje esse artifício tornou-se cada vez mais mobile não só quando se trata da visualização destes clipes na tela do celular, mas também com a própria produção de trabalhos utilizando smartphones, como é o caso do clipe de “Stupid Love” da Lady Gaga, “Sin Miedo” da Anitta, ou o hit “Bixinho”, responsável por alavancar a carreira da cantora Duda Beat.
No momento atual, atrelar a imagem artística a um material audiovisual tornou-se importante para moldar uma nova conexão com os admiradores de um trabalho musical. Sem os shows presenciais, as lives ganharam força e foi urgente repensar a criação de novas possibilidades de filmagem com equipes reduzidas. Porém, arte é sobre botar para fora tudo que de alguma forma está preso dentro do artista ou influenciando ao seu redor. A produção audiovisual muito além da divulgação de um trabalho é um registro histórico pessoal ou coletivo que pode ser expressado por diversos caminhos, seja o lúdico, o documental, o performático ou até mesmo o despretensioso viral.
O videoclipe cria então um novo mercado e vira uma ferramenta ativa não só para contextualizar visualmente uma canção, mas também como um espaço de inserção de novos profissionais que vão além do artista principal. É o caso de dançarinos, performers, figurinistas, designers, outros músicos, fotógrafos, cenógrafos e em alguns casos promove cidades, locais históricos e comunidades. Em um país como o Brasil, com uma das maiores multiplicidades culturais do mundo, vejo que é essencial criar narrativas visuais que tragam questionamentos sociais e principalmente assumam um papel de fortalecer pautas regionalistas e cotidianas que vão muito além do entretenimento.
Vejo que é um dever da classe artística nacional mapear todos estes signos que nos representam e referenciar o que está ao nosso redor, porque ainda sinto uma ligação muito euro-centrista e americanizada nos trabalhos que temos hoje em dia. Como já cantava Chico Science, “quem segura o porta-estandarte tem a arte”. Quem tem a arte, tem esta essência e capacidade de observação, principalmente em um mundo cada dia mais visual. É hora de usar e registrar estas visões e sentimentos.
Arthur Cobat é nordestino, natural do Rio Grande do Norte, mas atualmente reside em Belo Horizonte atuando no setor cultural, sendo um dos cabeças por trás das festas 101Ø, CurraL e faz parte da equipe local de produção da plataforma de broadcasting Boiler Room. Formado em jornalismo, ele faz parte do time de colunistas do site Alataj, onde escreve sobre a cena eletrônica nacional. Após um período fora do país conhecendo eventos e clubes da cena europeia, resolveu se engajar na área de entretenimento e há 5 anos se dedicar ao seu sonho de trabalhar com música.