“Elvis”, cinebiografia extravagante de Baz Luhrmann transforma em pirotecnia a vida da lenda do rock mas sem a complexidade necessária para um filme de 2022 sobre o “Rei”
[Por Willana Almeida]
História contada da perspectiva do empresário de longa data do cantor, o coronel Tom Parker (Tom Hanks), o filme oscila entre a interpretação de um conto essencialmente americano de raça, sexo, religião e dinheiro e entre o revisionismo loquaz sem saber se quer ser uma fábula pop luxuosa ou um melodrama trágico.
É difícil explicar completamente por que “Elvis” não funciona, especialmente porque por longos períodos oferece momentos de entretenimento cativante. O filme começa com uma construção meticulosa em torno das influências de Presley explicando como Gospel e Blues o arrebataram igualmente – uma sequência bem editada, tanto visual quanto sonoramente, mistura os dois gêneros através de uma performance de “That’s Alright Mama” – e também mostram o quanto seu tempo visitando Beale Street o ajudaram a construir seu estilo e som.
É um momento delirante e revigorante mas ainda assim derrapa: Elvis evidentemente se inspirou no blues e no gospel, contudo seu pulo do gato foi tê-los fundido com a música country, que está quase totalmente ausente de “Elvis”, exceto como um símbolo da calma e velha ordem que Elvis estava destruindo.
Infelizmente, “Elvis” logo descamba para o território biográfico sóbrio, beirando o anódino. Vemos a ascensão meteórica de Presley, os erros cometidos ao longo do caminho e sua queda final em direção à autoparódia. Sua mãe (Helen Thomson) morre na mais banal das cenas. Seu pai (Richard Roxburgh) é retratado de maneira superficial e claudicante. Priscilla (Olivia DeJonge) é a esposa abnegada e eterna apaixonada. O ritmo diminui e a história simplesmente não oferece diversão ou interioridade suficientes para acompanhar.
Um ponto digno de atenção em “Elvis” é a exploração e expropriação entre comércio e raça, assim como sua tendência anticapitalista, que mostra com que frequência o trabalho, a arte e a propriedade podem ser cuspidos e distorcidos no sistema destrutivo do showbizz.
Muitas vezes o filme cai na esparrela do white savior, na qual Presley é o herói branco sincero desenterrando os artistas negros exóticos e sensuais de sua época. B.B. King, Big Momma Thornton e Little Richard (incentivadores de Presley na vida real) existem no filme apenas como simples cheerleaders. A abordagem não ilumina nem dignifica essas figuras. Enquanto esses artistas negros são defendidos eles mal falam ou mantêm qualquer profundidade, mesmo quando um Presley paternalista promove sua causa. Porque não basta apenas ter consciência, um cineasta também tem a responsabilidade de questionar se é a pessoa certa para contar uma história. Com essa abordagem, Luhrmann prova que não é. E não dá para ignorar essa falha em pleno século 21.
Luhrmann evita outras partes da mitologia de Elvis, incluindo a diferença de idade entre Priscilla e Presley (os dois se conheceram na Alemanha quando ela tinha apenas 14 anos), e quando Elvis se tornou um fantoche de Richard Nixon. O apagamento deste último faz pouco sentido em um filme sobre a mercantilização de Presley pelo capitalismo e conservadorismo. Luhrmann quer mostrar a queda de um ícone por sistemas nefastos, mas não o suficiente para que ele se torne desagradável, ou melhor ainda, cheio de contradições e humano.
“Elvis” entrega exatamente o que você esperaria de um filme de Luhrmann. Mas não consegue lidar com o homem nodoso dentro do macacão cravejado de lantejoulas nem com as complicações de seu legado. Se a sua primeira e mais forte lembrança de Elvis Presley é o filme Lilo & Stitch, a abordagem enganosa e plástica de Luhrmann possivelmente lhe agrade. Em suma: encare os prazeres extravagantes de “Elvis”, ignore a tolice contida no filme, admire a bela performance de Austin Butler e aproveite seus bons momentos.







