COLABORAÇÃO POPULAR MARCA 10 ANOS DA FEIRA DA MÚSICA

Uma feira é formada não por apenas um vendedor ou duas ou três barracas. E sim por uma grande quantidade de feirantes que ofertam seu produto a uma outra grande quantidade de compradores. É nesse princípio básico de oferta e procura do mercado, com uma determinação de espaço e tempo que os negócios em uma Feira acontecem.

Desta forma, o que notamos é que uma Feira é um ambiente altamente colaborativo, onde todos interagem, mesmo que de passagem, comprando e vendendo. Foi interessante constatar que a Feira da Música, ao longo de seus dez anos, foi se tornando cada vez mais colaborativa também. De um evento voltado a stands de produtos e marcas a um ambiente de reflexão sobre as iniciativas do mercado voltando-se cada vez mais para a sustentabilidade artística.

Clamor

Este foi um ano atípico para a Feira, que tinha tudo para comemorar em alto astral sua 10ª edição. Mas a burocracia e a má-vontade política quase colocaram tudo a perder. A ProDisc, empresa realizadora do evento, foi pega de surpresa por conta de um corte de patrocínio de R$ 130 mil a cinco dias antes do evento.

O fator colaborativo que a Feira da Música proporciona foi colocado a prova. E ao invés de desistirem, resolveram seguir em frente, conforme falaram em seu Clamor Manifesto postado na Internet, onde eles pretendem em um esquema de mobilização via crowdfunding arrecadar uma verba de pelo menos R$ 20 mil até o final do mês.

Em minha opinião, acho que todos deveriam colaborar. Inicialmente porque a Feira da Música é um dos poucos eventos realizados no país que tem sua programação voltada para a profissionalização do mercado musical brasileiro incentivando a formação de agentes e proporcionando contatos em rede com produtores de diversos locais do país. Eu, que já fui ao evento por vários anos, creio que esta colaboração deveria ser expressada até como forma de gratidão por aqueles que já participaram e que de alguma forma tiveram algum benefício com o evento. Seja através de um contato, alguém que conheceu, seja por conta de algum show bacana que viu, seja por conta de algo que aprendeu em uma oficina ou palestra de lá, etc… Tudo isso conta. E se a gente quiser que este evento tenha continuidade, a participação no Clamor Manifesto é fundamental.

Clamor Manifesto – Feira 10

Enfim, por conta disso tudo, a programação oficial demorou um pouco a sair e alguns palcos estavam com a programação ameaçada. O que corria um risco mais sério foi o Palco para grupos instrumentais. Mas foi através da colaboração do setor privado que estes shows aconteceram. O palco se localiza embaixo da passarela de acesso do Centro Cultural Dragão do Mar e próximo a vários restaurantes, que diretamente se beneficiam do fluxo de espectadores consumindo comes e bebes.

Com a crise financeira, mas não criativa, instalada no evento, cogitou-se realocar os artistas deste palco para outros, uma vez que seria bastante caro bancar esta estrutura. O surpreendente é que os comerciantes e donos dos restaurantes do Dragão do Mar se juntaram e toparam bancar os custos de som e infra-estrutura do Palco Instrumental mantendo sua programação neste ano.

Ótimo para nós e para os comerciantes, que certamente tiveram bom retorno com os shows que eram bem melhores do que o couvert artístico que sempre se apresentam por lá em esquema de voz e violão. E apesar da cidade ter diversas casas de show e bares com boa infra-estrutura, poucas são as que fogem do clichê de bancar shows com grupos cover ou artistas de “sucesso”.

“Sucesso”

Talvez seja esta ilusão de sucesso na cidade que tenha atraído também algumas figuras alheias a esta mobilização toda e que ainda não entenderam o atual estado do mercado musical idealizando ainda uma realidade de gravadoras e mega-contratos. Talvez não tenha ficado claro para algumas bandas e artistas que a Feira da Música tem seu foco no mercado independente. Ou seja, os participantes e visitantes de lá não são empresários de grupos de forró de plástico ou produtores de micaretas. No entanto, como a repercussão da Feira da Música, ainda é intensa pelo país, sempre tem desavisados que caem de paraquedas.

E foi na Rodada de Negócios da Feira da Música que encontro um destes personagens. Um senhor me aparece para conversar a respeito de sua filha, cantora que, segundo ele, “tem tudo pra ser um sucesso nacional”. Empresário da filha, ele a colocou para cantar desde os 6 anos de idade “numa época em que todo mundo fazia playback de Xuxa e Angélica”. Vinte e cinco anos de carreira depois, ele se orgulha de dizer que o maior público que ela já se apresentou fora de seu estado natal foi abrindo para a banda Limão Com Mel no interior de Pernambuco. Bem, o que dizer a uma pessoa destas que entende por sucesso apenas a sua inserção neste grande mercado de práticas pouco recomendáveis?!

Possivelmente nem ela nem outros artistas que o pai-empresário admira abririam mão de cachês para participar de shows na Feira, onde o perfil dos participantes não está interessado neste tipo de som. Talvez pra ele o foco não fosse importante, uma vez que ele admite que o importante é tocar, não importando o público. Tudo bem que o público de um evento como a Feira da Música é bem receptivo, uma vez que o acesso aos shows é gratuito. Mas o que ela tiraria dali além de palmas e alguns elogios se não entende direito como as coisas funcionam hoje?

A geração deste pai-empresário e da filha-cantora se acostumou com a visão de sucesso instantâneo através da TV como vitrine e com as músicas mais tocadas na parada da rádio, com vendas de 100 mil discos por mês e coisa assim… Algo completamente improvável nesta época. A menos, claro, que o jabá seja institucionalizado e gravadoras voltem a derramar dinheiro nas mídias tradicionais. Mas como isso tá longe de ocorrer, vamos nos ater às alternativas e soluções que os novos personagens deste mercado tem sugerido.

Superação

Uma destas iniciativas que tem se convertido em algo com bons resultados é a moeda “Patativa” que circula na própria Feira da Música. Com valor igual ao Real, a Patativa é aceita em diversos bares e restaurantes parceiros do evento. Como cada participante da Feira recebe uma quantia fixa de Patativas para usar durante os dias de evento, dependendo de sua economia e administração pessoal, isso já quebra um grande galho e evita gastos extras.

Quem já veio à Feira anteriormente já se familiarizou com a moeda e com sua estrutura. Mas acontece que assim como o mercado foi mudando, o público participante também foi mudando e se renovando. Muitos dos produtores e agentes com quem estava acostumado a encontrar, desta vez não vieram. Em compensação, uma nova galera apareceu e chegou disposta a colaborar. Foram esses novos personagens que acabaram segurando a onda e se desdobrando para fazer a Feira ser realizada neste ano.

No fim das contas, quem deixou de vir a esta edição da Feira da Música perdeu a chance de ver como um evento deste porte e com patrocínio mínimo deu um exemplo de superação. Todos os envolvidos chegaram até a subir no palco, contar seus relatos emocionados e literalmente passar o chapéu entre a plateia no último dia de programação para ver se ainda era possível arrecadar um extra com a participação efetiva de todos.

Esperemos que nos próximos anos os gestores públicos entendam a importância das Feiras no calendário de eventos do país e tratem o evento tal qual merece. Enquanto isso é bom saber que algumas secretarias de Cultura estaduais tem conseguido apoiar seus artistas em editais e viagens para fazer esta nova música circular pelo país. E se falei pouco em música neste texto é porque antes de tudo, pra poder viabilizar gravações, shows e turnês pelo país, um financiamento, seja público, privado ou particular, é essencial. E hoje neste mercado inter-dependente tudo isso tem que estar conectado.