PÓS-MANGUE: TO BE OR NOT TO BE?!

Por Ricardo Maia*

Estabelecidos X outsiders? Mangueboys X indies? Fde X PE? O que essas rixas podem nos revelar é bastante limitador. O cenário musical pernambucano merece um tratamento um tanto quanto relativista, não no sentido niilista, mas na noção metodológica da análise. Apesar dessas limitações, esses três duelos também explicam a situação atual da música em Pernambuco, de certa forma, como sintomas de um mal-estar.

O embate entre estabelecidos e outsiders não é nenhuma novidade na cena musical pernambucana, mas é dissimulado, pouco percebido e debatido. E por que jogar com o conceito de Pós-mangue? Porque ele compreende uma força simbólica significativa entranhada ainda no Manguebit ou Manguebeat, considerado último marco cultural representativo e aglutinador da arte pernambucana, mas especificamente da música. Assim como o conceito de Pós-moderno, o Pós-mangue carrega muitas dúvidas, e isso se reflete em vários sentidos no cenário musical pernambucano. Embora não se possa descarregar tudo no Mangue, pois outras vertentes que se tornaram instituições, como por exemplo: o frevo, o forró e o maracatu também dizem bastante dessa posição outsider em que se encontra a música pernambucana atual, até mesmo o indie conseguiu sua parcela estabelecida na cultura do Estado.

O Pós-mangue serve para entender melhor essa cena alternativa, a partir de um conceito mais plausível com a realidade. E através disso, uma série de problemáticas surgem, como: só o mito do Mangue – Chico Science – que conseguiu tensionar essa barreira com mais êxito entre o alternativo e o popular? O que veio com o Pós-mangue? Quais são suas referências, se for possível dizer isso? Mombojó foi a referência direta a esse conceito, e talvez por esse isolamento não tenha sido possível o desenvolvimento de uma estética coletiva e de uma decorrente política cultural. Então, toda a culpa seria do Mombojó? Não, pois os efeitos do Mangue na geração seguinte não podem se restringir a um único exemplo de carreira, por mais que tenha sido uma das bem sucedidas dessa turma do Pós-mangue. O Pós-mangue também pode ser compreendido nas carreiras solos de China, de Siba, de Otto, de Karina Buhr, até de Lirinha do Cordel do Fogo Encantado.

O que é percebido é a perda de uma certa euforia de renovação carregada pelo Mangue em seus primórdios e no auge do movimento, pois essa repaginação enquanto proposta ainda é proporcionada através dos mesmo agentes, que, de certa forma, ganharam status institucionais na cultura pernambucana. Por conta disso, houve uma certa ofuscação, ou mesmo ostracismo, dos artistas que vieram depois e que, de certa forma, atuam realmente na cidade e que podem representar essa retomada expressiva da música pernambucana. Não quer dizer que esses artistas que já carregam um nome e um público significativo – apesar de morarem no Sudeste, há bastante tempo – perderam a criatividade ou o poder simbólico com suas obras, mas sim que houve uma concentração dessa força criativa. E a principal consequência disso é uma divisão mais evidente, e paradoxalmente mais dissimulada, entre os estabelecidos e os outsiders, pois a repaginação ficou interditada apesar dos esforços multiculturais das instituições públicas a partir do projeto conceitual do Manguebit e também da numerosa produção da música pernambucana atual.

O que fazer perante esse panorama? Quem será o novo guia ou o herói da música pernambucana Pós-mangue? Essas perguntas não podem nem devem ser respondidas em um artigo ou manifesto, ou em alguma previsão ou aposta, ou em uma fórmula qualquer de produção ou de emancipação, pois as soluções podem ser relativas e infindáveis. Com esse diagnóstico sintético é relevante destacar a carência de como escoar a produção musical do Estado, que parece emperrar na distribuição de todo esse material. E daí vêm os outsiders, de toda essa produção que não se organiza e que está fora da cultura oficial e dos circuitos de divulgação.

Seria por conta do isolamento dos músicos, que acreditam somente no seu próprio trabalho gravado e divulgado na internet? Ou a causa seria a insuficiência de produtores para trabalhar com esse material outsider? Ou seriam os meios de comunicação que contribuem mais para essa estagnação? Ou o poder público que investe sempre nos mesmos artistas, que acabam se tornando praticamente funcionários públicos? Todas essas perguntas justificam a situação, mas não há só um problema ou uma solução. Nesse artigo foi possível elucidar um pouco mais o debate sobre a atual conjuntura da música pernambucana, mas só os agentes desse cenário que vão poder, de fato, dar essas respostas, e na prática.

O que fica no ar é se ainda é relevante a luta pelo novo ou pelo ovo ou mesmo pelo outro… ou pelo ouro?! A música em seu potencial estético não pode abdicar da política e o embate não pode se limitar à destruição de uma cena para surgir outra nova. A luta seria pela retomada da força de repaginação da contemporaneidade que se faz mais do que necessária para a cultura pernambucana escutar, de fato, novas vozes e experimentar novos sentidos… novos agentes na música!


* Ricardo Maia é mestre em Comunicação pela UFPE e músico da banda Ex-exus.

(Texto publicado originalmente no blog Outros Críticos)