SONIC YOUTH E O SEGUNDO DIA DO PERSONAL FEST

Por Jarmeson de Lima

Poucas bandas causam em mim uma comoção tão grande como o Sonic Youth. E só mesmo eles pra me fazer sair de casa para viajar, pegar horas de avião e ficar mais algumas horas em pé esperando os seus primeiros acordes distorcidos.

Como já vi dois shows do Sonic Youth no Brasil (mais precisamente no Claro Que É Rock 2005 e no Planeta Terra 2009), quis ver como seria um show deles noutro país além do Brasil. Basicamente foi por conta deles que viajei para a Argentina. Claro que tem outros fatores, mas o show deles foi deveras motivador para esta viagem. Pois bem, já com o pé na estrada, fui ao segundo dia do Personal Fest para ter no final do evento minha recompensa que seria um grande show de encerramento com a banda do atual ex-casal Kim Gordon/Thurston Moore.

Mas até o show começar, muita coisa ainda ia rolar… em especial muito reggae. O line-up do segundo dia do Personal Fest teve algo bem inusitado que foi a divisão, ou reunião de públicos diferentes, se assim preferirem, por palcos. Enquanto o palco 1 reunia as bandas de pop e rock, o palco 2, bem ao lado, tinha na sua escalação bandas de reggae. Então quem não curtisse um ou outro estilo poderia perfeitamente aguardar no seu lugar em frente ao palco o show que quer ver.

Quando cheguei, era a hora do show da cantora e performer espanhola Mala Rodriguez. Não sei bem como descrevê-la, uma vez que sua (falta de) roupa deixava a todos desconcertados. Rap, rock e algo de eletrônico como se fosse a debochada Peaches em sua versão latina. Depois dela, o festival começou a intercalar reggae e rock a cada hora de programação.

Então chega a vez do SOJA, grupo que hoje em dia parece ser um novo fenômeno do reggae. São competentes, tem carisma, suas músicas fogem um pouco daquele fraseado manjado de bandas de reggae e já possuem muitos fãs. A quantidade de gente com camisa do SOJA chegava a ser igual a do Beady Eye no dia anterior, por exemplo. Mas é isso, não tenho muito a comentar sobre o show deles ou do Damian Marley que foi logo depois neste palco. Quem já foi a shows de reggae já sabe o que esperar. E sendo show de um dos muitos herdeiros de Bob Marley, é lógico que haveria muitos espaços para todos cantarem juntos todos aqueles hinos em louvação a Jah.

Enquanto isso, no outro palco, a galerinha indie chegava perto da grade pra assistir ao The Kills, que voltava a América do Sul neste ano para mostrar o repertório de “Blood Pressures”, que pra mim configura como o melhor disco da dupla. Guitarras mais altas, mais empatia e técnica e o cabelo ruivo de Allison Moshart separam o The Kills de 2011 do The Kills de 2005, quando aterrisaram aqui pela primeira vez. Empolgaram bem o publico argentino tanto com as novas musicas como com os hits anteriores como “Cheap and chearful” que fez com que todo mundo se espremesse junto da grade do palco. Antes do final, Jamie dedicou “Baby Says” a sua esposa, a modelo Kate Moss, que infelizmente não veio acompanhar a turnê da banda pela América Latina. O único “problema” foi o horário cedo demais, que fez com que eles ainda tocassem de frente aos últimos raios de sol, perdendo um pouco da aura “soturna” que suas músicas pedem. No mais, um grande show.

Depois deste show, começou uma sessão desnecessária de nostalgia de festa da firma. Era a vez do INXS, que sabe-se lá porque motivo$ estão tentando emplacar novas turnês com um novo vocalista que chegou ao posto de Michael Hutchenge através de um reality-show. Em termos musicais, a banda está afiada, o vocalista canta bem, tocaram todos os hits que tinham direito, mas o que via no palco era uma pálida sombra do que já foi a banda. Assim como o atual Queen e o Raimundos, o INXS agora se tornou uma banda cover oficial de si mesma. Se você se satisfaz só com isso, então esse foi o show perfeito. E de alguma forma boa parte do público queria ver isso mesmo. O mais estranho é que não estavam ali como headliner, apesar da propaganda oficial e tudo mais apontar que seriam. Aliás, a programação oficial com os horários dos palcos do Personal Fest só foi divulgada uns 15 dias antes.

Terminado o show do INXS, acreditava que haveria uma dispersão imensa do público, uma vez que só restariam os shows da Calle 13 e do Sonic Youth. Pelo contrário. A maior parte das pessoas que estavam lá queriam mesmo era ver a Calle 13, grupo de hip-hop, reggaeton e congêneres latinos de Porto Rico. Não conhecia o grupo, mas me bastou poucos minutos pra saber que seria um castigo enorme ter que enfrentar esse show pra poder ver o Sonic Youth no final. Imagine a combinação de O Rappa + Manu Chao e com um clima Capim Cubano. Pois bem, isso era a Calle 13. Mensagens políticas, palavrões e provocações inseridos nas letras e refrões para ajudar o povo a gritar e pular e muito, muito blá blá blá. O vocalista do grupo nos intervalos das músicas não parava de falar e elogiar o povo argentino, que segundo ele, foi o primeiro a reconhecer a proposta deles.

Foi um dos momentos mais torturantes que já passei em um festival, ansiando pelo término de um show que parecia que não ia terminar. Nem preciso dizer que os fãs do Sonic Youth que estavam no palco ao lado guardando seu lugar estavam igualmente impacientes… Mas como a imensa maioria queria mesmo era cantar e pular com a Calle 13 numa vibe meio show de axé, tivemos que esperar… Já passava de 0h30 quando o show dos porto-riquenhos terminou, com 20 min além do previsto. Depois que as luzes do palco deles se apagaram, foi quando finalmente pude respirar melhor e esperar enfim pela subida do Sonic Youth ao palco. Se no dia anterior, a área VIP e a frente do palco estavam superlotadas na hora da última banda, o mesmo não pode ser dito do segundo dia. Com o término do show da Calle 13, muita gente decidiu ir embora e deixou o local bem mais livre. Felizmente isso acabou sendo ótimo porque no final do evento, tinha bem menos gente para pegar taxi e ônibus.

Mas enfim, depois de tantas horas de espera,começa o show! Uma grande expectativa que tinha era com relação ao comportamento deles no palco, sendo este o primeiro show do Sonic Youth após a notícia da separação do casal Moore/Gordon. Será que poderia ser tenso como no Pixies onde Frank Black e Kim Deal mal se olhavam? Por sorte, nada disso transpareceu. Estavam um ao lado do outro do palco e o show foi alucinante como sempre. Começaram com “Sacred Trickster”, faixa de abertura de “The Eternal” e emendaram com “Calming The Snake”, também do disco mais recente.

Logo depois foi a vez de ouvir clássicos da banda numa sequência matadora: “Kotton Krown” e “Stereo Sanctity” do “Sister” e “Hey Joni”, “The Sprawl” e “Cross the Breeze” do “Daydream Nation“. Quando estava completamente inebriado pela aura do show com aquela onda de riffs, distorções e noise, Thurston Moore dá uma saudação para a plateia e começa a cantar “Tom Violence”, uma das primeiras músicas do grupo que ouvi na vida. Foi neste momento que agradeci por estar ali e ver que tudo valeu a pena, mesmo com um leve frio e fisicamente cansado.

O público, que ainda estava ali, reduziu-se a metade… ou seja 10 mil pessoas, mas isso não diminuiu em nada a euforia deles. Estavam todos ou mais empolgados do que a galera dos shows anteriores, abrindo roda de pogo e pulando quando tocaram “White Kross”. Vale dizer que nos momentos de jam session e improviso noise, Thurston Moore utilizou até o ventilador de palco para arranhar as cordas de sua guitarra. O público delirava, claro!

Já tínhamos passado da metade do show e agora era vez de Lee Ranaldo cantar mais uma música. E foi mais uma do “The Eternal“, “What We Know”. Depois dela, mais outros dois clássicos do “Bad Moon Rising“: “Brave Men Run” e “Death Valley’69”. Dos shows que vi, este foi o que tocaram mais material antigo. Quando estava dando falta de algum hit dos anos 90, eles agradecem a presença do público no festival, falam que estão encerrando e começam a tocar “Sugar Kane”. Festa total, gritaria e fui invadido por uma alegria que não tinha como conter. Foi um momento inesquecível de agradecimento, alegria, lágrimas nos olhos e saudade pela incerteza de saber se poderia rever outro show deles. Era o fim da festa, o fim do festival e nem a explosão de fogos seria suficiente para exprimir a felicidade de todos os fãs do Sonic Youth naquele momento.

Então meu recado é, se você mora em São Paulo e está cogitando perder o SWU, não perca! Pode se arrepender amargamente pelo resto da vida ao não ter visto o último show do Sonic Youth.